A linda Pastora, guardando o seu gado,
Andava esquecida num alto montado.
E o Rei, que voltava, sombrio, da caça,
Com seus falcoeiros e galgos de raça,
Detém-se, pensando, de súbito, ao vê-la,
Em ermo tão alto, que fosse uma estrela.
-- «Oh linda Pastora dos olhos castanhos,
Que passas a vida guardando rebanhos!
A tua beleza deslumbra os meus olhos,
Como uma tulipa no meio de abrolhos.
Teus lábios parecem cerejas vermelhas,
E a pele é mais fina que a lã das ovelhas.
Sobre o oiro das tranças, tuas faces tão puras
São duas papoilas em searas maduras.
Estrela ou Pastora, se queres ser minha,
Terás as riquezas que tem a Rainha!»
-- «A flor dos valados é sempre modesta
E a humilde zagala presume de honesta.»
-- «Terás equipagens, palácios, castelos,
E joias a arderem nos fulvos cabelos;
Um trono de esmaltes em oiros maciços,
Lacaios, escravos, fidalgos submissos!...»
-- «Às vossas riquezas, perdidas nos montes,
Prefiro mirar-me no espelho das fontes;
As joias, que valem, se eu guardo o meu gado,
Com rubras papoilas a arder no toucado?...
De nada me servem fidalgos, escravos,
Pois tenho as abelhas e o mel dos meus favos.
Segui vosso rumo, que a tarde caminha;
Guardai as riquezas que são da Rainha».
-- «Não rias, vaidosa, das minhas promessas,
Que a forca tem visto mais lindas cabeças...»
-- «Talvez que mais lindas já visse pender,
Mas nunca tão firme nenhuma há-de ver,
Que a Virgem Santíssima, a Virgem clemente,
Ampara, sorrindo, quem morre inocente,
E os anjos, descendo do céu a voar,
Á forca viriam minha alma buscar!»
E a linda Pastora, que a ser ultrajada
A morte prefere,--vai ser enforcada!
Levaram-na, á força, das suas ovelhas,
Pendendo-lhe ás tranças papoilas vermelhas,
Com gritos de escárnio, no meio da turba...
Mas nada os seus olhos serenos perturba.
E toda inundada na luz que irradia,
Sorrindo, os estrados da forca subia...
Então, n'um relance, do azul transparente,
Surgindo mais alvas que a lua nascente,
Duas pombas que descem e voam a par,
Nos braços da forca vieram poisar...
E a linda Pastora dos olhos castanhos,
Tão longe da serra, cercada de estranhos,
Sem ter um gemido, sem ter um lamento,
Expira na forca... Mas nesse momento,
No grande silencio que a morte causara,
Aos olhos de todos que atónitos viram
Tão grande prodígio, coragem tão rara,
Dos braços da forca--três pombas partiram!
António Feijó
Portugal, Ponte de Lima 1859 – Suécia, Estocolmo 1917
in “ Sol de Inverno “ seguido de vinte poesias inéditas
Introd. Álvaro Manuel Machado
Editor: Imprensa Nacional-Casa da Moeda
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