Perfumados prados do meu peito,
Colho as vossas folhas, escrevo, para melhor as estudar depois,
Folhas dos túmulos, folhas do corpo crescendo sobre mim, sobre a morte,
Raízes vivas, altas folhas, oh o inverno não vos enregelará, delicadas
folhas.
De novo floresceis todos os anos, de novo saindo do vosso retiro;
Eu não sei se muitos ao passar vos hão-de descobrir ou aspirar tão
suave aroma, mas sei que
alguns o farão;
Oh delicadas folhas! Flores do meu sangue! Falai à vossa maneira do
coração
que por baixo tendes,
Eu não sei qual o vosso subterrâneo sentido, não sois a felicidade,
Sois muitas vezes tão cruéis que não vos posso suportar, queimais-me e
feris-me,
E, todavia, que bela sois aos meus olhos, raízes levemente coloridas,
fazendo-me
pensar na morte,
A julgar por vós a morte é bela,
(enfim, que haverá de mais belo senão a morte
e o amor?),
Oh creio que não é em louvor da vida que aqui canto o meu canto de
amantes,
creio que é em louvor da morte,
Pois, como é sereno, como floresce solenemente ao elevar-se à atmosfera
dos amantes!
Vida ou morte, tanto me faz, a minha alma recusa-se a escolher,
(Talvez a alma sublime dos amantes prefira a morte),
Na verdade, ó morte, penso que estas folhas significam o mesmo que tu,
Crescei, doces folhas, para que vos possa ver! Crescei sobre o meu
peito!
Abandonai o coração que aí se oculta!
Não vos enredeis, tímidas folhas, em vossas rosadas raízes!
Não vos quedeis aí, envergonhadas, ervas do meu peito!
Vinde, estou decidido a desnudar este amplo peito, tanto tempo o reprimi
e sufoquei;
Emblemáticas e caprichosas folhas, deixo-vos, pois já não me sois úteis,
Sem rodeios direi o que tenho a dizer,
Só a mim e aos companheiros hei-de cantar, jamais atenderei outra voz
que
não a sua,
Despertarei ecos imortais em todos os estados do meu país,
Aos amantes darei um exemplo que seja para sempre forma e vontade em
todos
os estados do meu país,
Pronunciarei as palavras que exaltem a morte,
Dá-me então a tua música, ó morte, para estarmos em harmonia,
Dá-te a mim porque agora sei que acima de tudo me pertences e que tu e o
amor
estão inseparavelmente unidos,
Não permitirei que me enganes mais com isso a que chamava vida,
Porque enfim compreendo que és os conteúdos essenciais,
Que, por qualquer razão, te escondes nestas mutáveis formas de vida, e
que
elas existem sobretudo para ti,
Que, para além delas, surges e permaneces, tu, realidade real,
Que, sob a máscara das coisas materiais, aguardas pacientemente, não
importa
quanto tempo,
Que, talvez um dia, tudo dominarás,
Que talvez dissipes todo este imenso desfile de aparências,
Que talvez seja para ti que tudo existe mas não perdura,
Mas tu perdurarás.
Walt Whitman
USA 1819-1892
Trad. José Agostinho Baptista
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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