Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

13 de outubro de 2012

Noite: Miguel Torga

Encontraram-no caído
Ao fundo daquela rua;
Chamaram-no pelo nome, era eu!
- O poeta andava à lua
E adormeceu...

Foi o que disse e jurou
Pela sua salvação
A perdida
Que viu tudo da janela...

E o guarda soube por Ela,
Pelo pranto que chorava,
Quem era na minha vida
O guarda que me guardava...

- Andar à lua é proibido...
Mas Ela pagou a lei
Por um beijo que lhe dei
Antes ou depois de ter caído,
Nem eu sei...

Miguel Torga
(Portugal 1907-1995)

O amor : José Luis Peixoto

fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos .
o amor é ter medo e querer morrer.

José Luis Peixoto
(Portugal
in A criança em ruínas
"Quetzal"




Os teus lábios eram a noite:José Luis Peixoto

Os teus lábios eram a noite, o abismo
E o silêncio das ondas paradas de encontro às
Rochas. O teu rosto dentro das minhas mãos.
Os meus dedos sobre os teus lábios e a ternura,
Como o horizonte, debaixo dos meus dedos.
Os meus lábios a aproximarem-se dos teus lábios.
Os teus olhos entreabertos, os  teus olhos e os
Teus lábios a aproximarem-se dos meus lábios
A aproximarem-se dos teus lábios a aproximarem-se
Dos meus lábios, teus lábios

José Luis Peixoto
(Portugal
in Gaveta de Papéis
"Quetzal"

Dualidade: Laura Victoria


Eu própria não sei mas vencida
rendi ao seu orgulho minha virtude pagã,
e fui por um momento cortesã,
no sarcasmo da minha própria vida.

Com um beijo ausente refresquei a sua ferida,
absorta finji ser-lhe distante,
a sua vontade despedacei insconstante
e a sua paixão encontrou-me arrependida.

Foi um instante não mais. Prazer não existiu.
Mas a sua boca entre a minha boca sentiu
amor e angústia, languidez e olvido.

Sobre o cansaço estendi-me cobarde
e fui p ar a o  seu  desejo naquela tarde
tão grande e cruel como jamais tinha sido.

Laura Victoria
(Colômbia 1904-2004 México)
in Um país que sonha "Cem anos poesia colombiana"
Assirio &Alvim

Mafalda Chambel: Folha caída


No coração uma sombra do dia que passou.
Nele não existe além da memória e da saudade.
Promete-me que não ficarás acordada
quando tudo dorme ao nosso redor
memória, promete-me isso!

No corpo e na pele dos dedos
vestes o beijo,
perfumas o tempo,
soltas os cabelos
e descansas onde só há tempestade.

Promete-me que não ficarás acordada
enquanto o sono é o fato menor
memória, promete-me isso!

Mafalda Chambel
(Portugal 1987)