Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

26 de março de 2012

Amizade : Carlos Queirós

De mais ninguém, senão de ti, preciso:
Do teu sereno olhar, do teu sorriso,
Da tua mão pousada no meu ombro.
Ouvir-te murmurar:-"Espera confia!"
E sentir converter-se em harmonia,
O que era, dantes, confusão e assombro.

Carlos Queirós in 366 poemas que falam de amor
"Portugal 1907 - França 1949"

Escravidão : Xavier Cordeiro

Teus mimos calor não têm,
Teu beijo é frio de gelo,
Não satisfaz, nem também
Me importa tê-lo ou não tê-lo.

O que me faz recebê-lo
Cativo do teu desdém,
É eu ter forjado o elo,
Da escravidão que me tem.

A ti preso, e que subjuga,
Quer seja rei ou pastor,
Desde o dia em que nasceu.

Desta sina não há fuga,
Mas na escravidão d'amor,
O mais escravo sou eu.

Xavier Cordeiro in 366 poemas que falam de amor
"Portugal 1907 - França 1949"

Vertigem : Maria Teresa Horta

Quando sob o meu
está o teu corpo
e eu nado dentro
do desejo e enlaço

os teus ombros as ancas
e o dorso
enquanto o espasmo se faz
num outro abraço

Desprendo a boca
depois
no grito solto

mordo-te os pulsos
ambos
no orgasmo

volto ao de cima
da água
do meu gosto

Bebo-te a vertigem
e em seguida o hálito.

Maria Teresa Horta in 366 poemas que falam de amor
"Portugal n. 1937"

Amor é o olhar total... : Fiama Hasse Pais Brandão

Amor é o olhar total, que nunca pode
ser cantado nos poemas ou na música,
porque é tão-só próprio e bastante,
em si mesmo absoluto táctil,
que me cega, como a chuva cai
na minha casa, de faces nuas,
oferecidas sempre apenas à água.

Fiama Hasse Pais Brandão in 366 poemas que falam de amor
"Portugal 1938-2007"

Bilhete Postal : Carlos Oliveira

Escrevo-te agasalhando o nosso amor,
que o tempo é este inverno sem disfarce:
Pelos meus olhos fartos de miséria
Mereço bem a luz da tua face.

Mas no meu coração as pobres coisas
choram, a cada lágrima exigida,
a tristeza precisa pra que eu saiba
quanto custa a alegria duma vida!

Carlos Oliveira in 366 poemas que falam de amor
"Brasil 1921 - Portugal 1981"

Soneto da chuva : Carlos Oliveira

Quantas vezes chorou no teu regaço
a minha infância, terra que eu pisei:
aqueles versos de água onde os direi,
cansado como vou do teu cansaço?
Virá Abril de novo, até a tua
memória se fartar das mesmas flores
uma última órbita em que fores
carregada de cinzas como alma.
Porque bebes as dores que me são dadas,
desfeito e já no vosso próprio frio
meu coração, visões abandonadas.
Deixem chover as lágrimas que eu crio:
menos que chuva e lama nas estradas
és tu, poesia, meu amargo rio.

Carlos Oliveira
(Portugal 1921-1981)
photo by Google

Homem transportando o cadáver de uma mulher: Almada Negreiros

Quis-te tanto que gostei de mim!
Tu eras a que não serás em mim!
Vivias de eu viver em ti
e mataste a vida que eu te dei
por não seres como eu te queria.
Eu vivia em ti o que em ti eu via.
E aquele que não será sem mim
tu viste-a como eu
e talvez para ti também
a única mulher que eu vi!

Almada Negreiros in 366 poemas que falam de amor
"Portugal 1893-1970"

22 de março de 2012

No momento do adeus... : Gonçalves Crespo

No momento do adeus sucede que os amantes
Se abraçam, a chorar, com vozes soluçantes.
Força é força partir; a mão prende-se à mão,
E uma infinda tristeza inunda o coração.

Para nós, meu amor, nessa hora de agonia
Não houve o padecer que as almas excrucia;
Foi grave o nosso adeus e frio, e só agora
É que a Dor nos subjuga, e a Angústia nos devora.

Gonçalves Crespo in 366 poemas que falam de amor
"Brasil 1846 - Portugal 1883"

18 de março de 2012

A inegualável : Mário Sá-Carneiro

Ai, como eu te quero toda de violetas
E flébil de cetim...
Teus dedos longos de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas...

E tão febril e delicada
Que não pudesses dar um passo -
Sonhando estrelas transformada
Com estampas de cor no regaço...

Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas -
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas...

Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata -
Teus frenesis lantejoulas
E os ócios em que estiolas,
Mar que desbarata...

Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmim -
Os teus espasmos de seda...

Água fria e clara nua noite azul,
Água, devia ser o teu amor por mim.


Mário Sá-Carneiro 
"Portugal 1890-1916"
in 366 poemas que falam de amor
Org: Vasco Graça Moura
Editor: Quetzal Editores

photo by Google

Quando ouço ao telefone a voz... : António Franco Alexandre

Quando ouço ao telefone a voz que brinca
e canta sem saber, os dias novos,
pouco me importam tempo, espaço, luas,
ou maneiras sequer de ser humano.
Vagueio pelo ar, e arranco estrelas
ao cenário sem fim do universo;
e faço pobres contas aos cabelos
depenados no chão, verso após verso.
Nada é real, senão o meu desejo,
nem sei de lei nenhuma que não dobre
a dura mansidão da tua boca;
inventou-nos um deus, para que seja
veloz o lume na manhã sem nome,
e chama viva a voz que nos consome.

António Franco Alexandre in 366 poemas que falam de amor
"Portugal n. 1944"

Apenas um soneto : Luis Filipe Castro Mendes

O delicado desejo que te doura
e nos dura na pele quando anoitece
é contra a nossa vida que se tece
e é no verso que vive e se demora.

Amor que não tivemos nem nos teve
veio-nos chamar agora. De repente
fez-se névoa a palavra do presente
e luz teu corpo que toquei de leve.

Mas se arde na memória da canção
o corpo que me deste e me fugiste,
o verso é outro modo de traição

por que minto ao que tu nunca mentiste.
E enganamos assim o coração,
disfarçando de mitos o que existe.

Luis Filipe Castro Mendes in 366 poemas que falam de amor
"Portugal n. 1950"

17 de março de 2012

Com a tua letra : Fernando Assis Pacheco

Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.

Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.

Fernando Assis Pacheco in 366 poemas que falam de amor
"Portugal 1937-1995"

Obra carnal : Alberto Pimenta

ajoelha com a cabeça pousada
de lado as pernas abertas os lábios
palpitando na orla da fresta
abusadora deixando entrever
o claro fundo coralíceo
com os joelhos roçando no
queixo e abrindo lentamente
os dedos dos pés enquanto eu
vou penetrando de várias maneiras
ociosamente até sentir a caudalosa
corrente de bens espraiando-se como
a via láctea nas negras e eternas
muralhas do universo visível.

Alberto Pimenta in 366 poemas que falam de amor
"Portugal n.1937"

Escalada : Jorge Sousa Braga

Chamar-te colibri sussurar-te
Ao ouvido coisas ácidas e ternas
Morder-te no pescoço nos ombros nas nádegas
Sentir a humidade entre as tuas pernas

Selar-te as pálpebras com saliva
Enquanto gritas que me odeias e me amas
As minhas mãos numa roda viva
Entre as tuas nádegas e as tuas mamas

a minha língua a tua língua o meu
Pénis o teu clitóris a minha língua
O teu clitóris o meu pénis a tua língua

De joelhos como se implorasse
Enterrá-lo bem fundo entre as tuas pernas
Deixar que um raio nos trespasse

Jorge Sousa Braga in 366 poemas que falam de amor
"Portugal n.1957"

É tua a minha saudade

É tua a minha saudade! 
Aquela que eu silencio, 
a que vive no meu pensamento, 
e me enche as horas de todos os dias. 


Aquela que se deita abraçada a mim 
em sonhos de ternura, a que passeia comigo 
de mão dada e me faz companhia, 


que me olha com carinho numa espera de sempre, 
que me fala de ti num murmúrio e me acalenta 
a alma da ânsia de te ter. 


Ai, esta saudade… que se instalou e veio para ficar, 
apenas para me lembrar… 
da imensa saudade que tenho de ti! 

Poema enviado pela nossa admiradora
Maria Angela Almeida

10 de março de 2012

Que corpos leves, subtis... : Pedro Salinas

Que corpos leves, subtis,
há, sem cor,
tão vagos como as sombras,
que não podem beijar-se
a não ser pondo os lábios
no ar, contra algo
que passa e se assemelha!

Que sombras tão morenas
existem, e tão duras
que seu frio, escuro mármore
não se nos rende nunca
de paixão, entre os braços!

E que faina ir e vir
com o amor, velozmente,
dos corpos para as sombras,
do impossível aos lábios,
sem parar, sem saber nunca
se é alma de carne ou sombra
de corpo o que beijamos,
se é alguma coisa! A tremer
de acarinhar o nada!


Pedro Salinas in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea
(Espanha 1891-USA 1951)

Serás amor, um longo adeus... : Pedro Salinas

Serás amor,
um longo adeus que não acaba?
Viver, desde o principio, é separar-se.
Já no primeiro encontro
com a luz e os lábios
o coração conhece a angústia
de ter que estar cego e só um dia.
Amor é o adiamento milagroso
do seu próprio fim:
é prolongar o feito mágico
de que um e um sejam dois, frente
à primeira sentença da vida.
Com os beijos,
com a dor e o peito se conquistam,
em trabalhosas lutas, entre gozos
semelhantes a jogos,
dias, terras, espaços fabulosos,
a grande separação que está à espera,
irmã da morte ou a própria morte.
Cada beijo perfeito afasta o tempo,
lança-o para trás, alarga o mundo estreito
em que um beijo é possível ainda.
Não é ao chegar nem no encontro
que o amor tem o seu cume:
é na resistência a separar-se
que ele se sente,
nu, altíssimo, a tremer.
E a separação não é o instante
em que braços ou vozes
se despedem com gestos materiais.
É de antes, de depois.
Se se estreitam as mãos, ou se se abraça,
nunca é para haver separação,
é porque a alma cegamente sente
que a forma possível de estar juntos
é uma despedida longa, clara.
E que o mais certo é o adeus.


Pedro Salinas in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea
(Espanha 1891-USA 1951)

Se soubesses que... : Pedro Salinas

Se soubesses que esse
soluço enorme que estreitas
em teus braços, que essa
lágrima que secas
beijando-a,
vêm de ti, são tu,
dor de ti feita lágrimas
minhas, meus soluços!

Então
já não perguntarias
ao passado e aos céus,
o que tenho, porque sofro.
E toda silenciosa
com o vasto silêncio
da luz e do saber,
beijar-me-ias mais,
e desoladamente.
Com a desolação
do que não tem ao lado
outro ser, uma dor
alheia; do que está
sozinho com sua mágoa.
Querendo consolar
uma outra quimérica
a enorme dor que é sua.

Pedro Salinas in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea
(Espanha 1891-USA 1951)

9 de março de 2012

Beijo : Manuel Altolaguirre

          Beijo

Que só estavas por dentro!

Quando surgi em teus lábios,
um rubro túnel de sangue
triste e escuro mergulhava
até ao fim da tua alma.

Quando penetrou meu beijo,
seu calor, sua luz davam
sobressaltos e tremores
à tua carne surpreendida.

Desde esse instante os caminhos
que levam à tua alma
não queres que estejam desertos.

Quantas flechas,peixes pássaros
quantas carícias e beijos!



Manuel Altolaguirre
Espanha, Málaga 1905 - Burgos 1959
 in Rosa do Mundo 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
photo by Google

Fêmea : Salah 'Abd al-Sabur






o meu amado apagou o candeeiro
e apagou a sua amargura no meu corpo
e despertou a sua tristeza,
derramou seus olhos no meu sonho
e me despertou.
estendeu a sua asa destroçada à minha volta
e abraçou-me.
murmurou sua voz melodiosa ao meu ouvido,
embalando-me
sobre a ramaria das suas lágrimas misturadas,
e quando conseguiu de mim o que desejava
soltou-me
e, a meu lado, adormeceu, enquanto a tarde seu manto recolhia
para que, de manhã, nascesse outra amargura
e nascesse
um desejo na noite que impelisse o peito do meu amado
a apagá-lo sobre o meu corpo.



SALAH  ‘ABD AL-SABUR
Egipto 1931-1981
in “Rosa do Mundo”
Ed. Assirio & Alvim
photo by Google



Never give all the heart, for love : William Butler Yeats

Never give all the heart, for love
Will hardly seem worth thinking of
To passionate women if it seem
Certain, and they never dream
That it fades out from kiss to kiss;
For everything that's lovely is
But a brief, dreamy. Kind delight.
O never give the heart outright,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their hearts up to the play.
And who could play it well enough
If deaf and dumb and blind with love?
He that made this knows all the cost,
For he gave all his heart and lost.

W: B. Yeats
(Irland 1865 - France 1939)
Photo by Google

Nunca entregues todo o coração : William Butler Yeats


Nunca entregues todo o coração, pois não vale
Muito a pena pensar no amor
De mulheres apaixonadas desde que firme
Nos pareça, e nunca elas imaginem
Quanto vai definhando de beijo para beijo
Pois tudo o que nos seduz mais não é
Do que fugaz deleite, doce e sonhador.
Oh, nunca entregues o coração completamente,
Pois elas, por mais que os suaves lábios o afirmem,
Entregam ao jogo os seus corações.
E quem poderá ainda jogar bem
Se estiver surdo, mudo e cego de amor?
Aquele que fez isto sabe o quanto custa
Pois entregou todo o coração e perdeu.

W. B. Yeats in Os Pássaros Brancos e outros poemas
(Irlanda 1865 - França 1939)
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7 de março de 2012

A boca : Umberto Saba

A boca
que primeiro levou
aos meus lábios a cor da aurora
ainda
em belos pensamentos desconto o aroma.

Ó pueril boca, amada boca,
que dizias o que ousavas e tão doce
eras a beijar.

Umberto Saba in Rosa do Mundo (2001 poemas para o futuro)
(Itália 1883-1957)
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Joan Salvat-Papasseit: Oficio de Amor

Se conheces o prazer, não escatimes o beijo
pois o prazer de amar não comporta medida.
Deixa-te beijar e beija tu depois,
que nos lábios sempre é onde o amor perdura,

Não beijes, não, como o escravo e o crente,
mas como o viandante à fonte oferecida.
Deixa-te beijar - ardente sacrifício -
quanto mais queima mais fiel é o beijo.

Que terias feito se tu morresses antes,
sem mais fruto do que a aragem no rosto?
Deixa-te beijar, e no peito, nas mãos
- amante ou amada - a taça muito alta.

Quando beijes, bebe, o copo sara o medo:
beija no pescoço, o sitio mais formoso.
     Deixa-te beijar,
                e se ainda te apetece
beija de novo, pois a vida é contada.

Joan Salvat Papasseit in Rosa do Mundo (2001 poemas para o futuro)
(Catalunha 1894-1924)
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Mãe! : Almada Negreiros

Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que
ainda viajei! Traze tinta encarnada para escrever
estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue!
Verdadeiro, encarnado!

Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!

Eu ainda não fiz viagens a minha cabeça
não se lembra senão de viagens! Eu vou
viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa,
um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres
e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas
que eu viajei, tão parecidas com as que não
viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó
cego muito apertado! Eu quero qualquer coisa
da nossa casa. Como a mesa. Eu também
quero um feitio que sirva exactamente
para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! Passa  a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha
cabeça é tudo tão verdade!

Almada Negreiros in Rosa do Mundo (2001 poemas para o futuro)
(Portugal 1893-1970)
Foto Google

Veio primeiro, pura... : Juan Ramón Jiménez

Veio primeiro, pura,
vestida de inocência
amei-a como menino.

Foi-se depois vestindo
de não sei que roupagens;
e fui-a odiando, sem sabê-lo.

Chegou a ser rainha,
faustosa de tesouros...
Que iracúndia de fel e sem sentido!

Foi-se porém, despindo,
E então eu sorria-lhe.

Ficou só com a túnica,
de inocência antiga.
Confiei nela de novo.

E despiu essa túnica,
e surgiu toda nua...
Oh paixão da minha vida, poesia
nua, minha para sempre!

Juan Ramón Jiménez in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea
(Espanha 1881-1958)
Foto Google

6 de março de 2012

O Querer : Manuel Machado Ruiz

Tua boca rubra e fresca
beijo, e a sede não se apaga:
que em cada beijo quisera
beber toda a tua alma.

Enamorei-me de ti;
e é doença tão má
que dizem os que se amam
que nem com a morte acaba.

Ponho-me louco se escuto
o rumor da tua saia;
e o roçar da tua mão
dá-me vida e depois mata-me.

Eu quisera ser o ar,
que toda inteira te abraça;
eu quisera ser o sangue
que corre em tuas entranhas.

São as linhas do teu corpo
modelo das minhas ânsias
o caminho dos meus beijos
e o íman do meu olhar.

Sinto ao cingir tua cinta,
uma dúvida que mata:
quisera ter, num abraço,
todo o teu corpo e tua alma.

Estou doente de ti;
da cura não tenho esperança:
na sede deste amor louco
és minha sede e minha água.

Maldito seja o momento
em que entrei em tua casa,
em que vi teus olhos negros,
beijei-te a boca escarlate.

Maldita seja esta sede,
maldita seja esta água!...
maldito seja o veneno
que envenena e que não mata.

Manuel machado Ruiz in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea
(Espanha 1874-1947)

5 de março de 2012

I Taught Myself To Live Simply by Anna Akhmatova

I taught myself to live simply and wisely,
to look at the sky and pray to God,
and to wander long before evening
to tire my superfluous worries.

When the burdocks rustle in the ravine
and the yellow-red rowanberry cluster droops
I compose happy verses
about life's decay, decay and beauty.

I come back. The fluffy cat
licks my palm, purrs so sweetly
and the fire flares bright
on the saw-mill turret by the lake.

Only the cry of a stork landing on the roof
occasionally breaks the silence.
If you knock on my door
I may not even hear.

Anna Akhmatova
(Ukraine 1889-1966)

4 de março de 2012

Se a floresta negra dos seus cabelos: Poemas eróticos da India antiga

Se a floresta negra dos seus cabelos
Te convida a explorar os vales
E os seios      essas abruptas montanhas
Acordam o montanhista que há em ti
O melhor é parares antes que seja tarde

Escondido como se fosse um salteador
Jaz à espera o amor

Anónimo
India antiga
Séc. IV a. c.

Mesmo agora se... : Poemas eróticos da India antiga

Mesmo agora      se uma vez mais pudesse ver
O seu rosto jovem e fresco como a lua cheia
Os seios opulentos      o corpo
Que as flechas do amor deixaram a arder
saberia como debelar essas chamas


Anónimo
India antiga
Séc. IV a. c.

3 de março de 2012

Mesmo agora se a visse de novo: Poemas eróticos da India antiga

Mesmo agora      se a visse de novo
A essa rapariga de olhos de lótus
O corpo soçobrando devido ao peso dos seios
Estreitá-la-ia entre os meus braços
E beberia da sua boca como um louco
Como uma abelha insaciável      sugando uma flor

Anónimo
India antiga
Séc. IV a. c.

Mesmo agora recordo a minha amada: Poemas eróticos da India antiga

Mesmo agora     recordo a minha amada
Na dança selvagem do amor
Curvada devido ao peso dos seios
O corpo esguio consumido pelo desejo
O rosto transparente como a lua cheia
Submersa pelos seus longos cabelos


Anónimo
India antiga
Séc. IV a. c.

Mesmo aqui se pudesse... : Poemas eróticos da India antiga

Mesmo aqui     se pudesse contemplar
Esse corpo esbelto consumido pela separação
Os olhos dilatados quase até às orelhas
Cingiria as suas coxas entre as minhas
Cerraria os olhos e não afrouxaria nem
Por um instante o abraço prolongado.


Anónimo
India antiga
Séc. IV a. c.

Encontro num elevador: Vladimir Holan

Estamos só os dois no elevador,
e olhamo-nos sem pensar em nada.
Duas vidas, um momento de beatitude e plenitude.
Ela saiu do quarto piso e eu, que saía mais acima,
soube que não a voltaria a ver nunca mais,
que nos tínhamos encontrado na vida uma só vez,
que se a seguisse seria como um morto
e que se voltasse para mim
seria do outro mundo.

Vladimir Holan
(República Checa 1905 - 1980)

Vaza-me os olhos: continuarei a ... : Rainer Maria Rilke

Vaza-me os olhos: continuarei a ver-te,
tapa-me os ouvidos: continuarei a ouvir-te.
Mesmo sem pés chegarei a ti,
Mesmo sem boca poderei invocar-te.
Decepa-me os braços: poderei abraçar-te
com o coração como se fosse a mão.
Arranca-me o coração: palpitarás no meu cérebro.
E se me incendiares o cérebro,
levar-te-ei ainda no meu sangue.

Rainer Maria Rilke
(Áustria 1875 - 1929)

A beleza não está no que dizem... : Poemas eróticos da India antiga

A beleza não está no que dizem as palavras
Mas no que dizem sem dizê-lo
Mais desejáveis são os seios entrevistos
Através da madeixa dos teus cabelos



Anónimo
India antiga
Séc. IV a. c.

Cabelos : António Ramos Rosa

Cabelos são os teus cabelos as tuas mãos
e que sinais de perfeição tão triste
que doçura do espírito da terra
que suavidade do espírito da água

Ombros seios umbigo velo sexo
tudo velado pelo ouro da sombra
de castidade ardente honra da carne
honra de amor para o que a conhecer

António Ramos Rosa
(Portugal n. 1924)

É este o verdadeiro amor : Goethe

É este o verdadeiro amor,
     quando acreditamos
que só nós podemos amar,
que nunca ninguém antes
     de nós assim amou
e que nunca mais alguém
     há-de amar,
da mesma forma,
     depois de nós

Goethe
(Germany 1749 - 1832)

A paixão é ... : Lawrence Durrel

... A paixão é ...
um incendiar simultâneo
       de duas almas
E a sensação é
como se algo tivesse explodido
       silenciosamente
dentro de cada um de nós.

Lawrence Durrel
(India 1912 - Reino Unido 1990)

Desgraçado aos olhos dos homens: William Shakespeare

Desgraçado aos olhos dos homens, e de Fortuna,
Solitário choro meu triste estado,
E o meu grito inútil o céu surdo importuna,
e olho para mim maldigo o fado.
Alguém mais temeroso gostava de ser,
coleccionar amigos, ser bem parecido.
A este invejo a arte, áquele o poder,
Quanto mais me agrada mais fico desiludido.
Perante estes pensamentos, quase que me abomino
Felizmente penso em ti - é como a cotovia,
Que ao romper do dia se levanta da terra sombria,
Ante as portas do céu, entoo um hino.
Pois me traz tal riqueza a tua recordação,
Que nem com um rei trocaria a minha condição.

William Shakespeare
(England 1564-1616)

2 de março de 2012

Masturbação I : Maria Teresa Horta

Eis o centro do corpo
o nosso centro
onde os dedos escorregam devagar

e logo onde nesse centro
os dedos esfregam      correm
e voltam sem cessar

e então são aí os meus
já os teus dedos

e são meus os dedos
já a tua boca

a ir sorvendo os lábios dessa boca
que manipulo      conduzo
pensando em tua boca

Ardência funda planta em movimento
que trepa a fenda fundidas já no tempo
calando o grito nos pulmões da tarde

E todo o corpo é esse movimento
em torno      em volta
no centro desses lábios

que a febre toma      engrossa
e vai cedendo, a pouco e pouco
nos dedos da palma


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar XV : Maria Teresa Horta

Entreabre-se a boca
na saliva da rosa

na rasura da fenda
na fissura das pernas

Entreabre-se a rosa
na boca onde descerra
no topo do corpo
a rosa entreaberta

E prolonga-se a haste
a língua na fissura
na boca da rosa
na caverna das pernas

e aí se entrecurva
se afunda e se perde

se entreabre a rosa
entre a boca das pétalas


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar XIV : Maria Teresa Horta

São grinaldas de rosas
em torno
dos joelhos

O ambar dos teus dedos
nos sentidos

O reflexo do espelho
onde o meu corpo
espia devagar os teus gemidos

È gomo depois
e em seguida a polpa

O penetrar do dedo
o punho do punhal

A enterrares no corpo
docemente
como quem adormenta
aquilo que é fatal

É a urze debaixo
onde o lodo acalenta

O arrepio a deslizar
pelo umbigo
sede secreta da boca mais sedenta

Bordada a cuspo
na pele do umbigo

E se desdigo a febre
dos teus olhos
logo me entrego à febre
do teu ventre

Que vai cedendo
as rosas os escombros
e os escolhos

Grinaldas de prazer
em torno dos joelhos
a entreabri-los então suavemente


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar XIII : Maria Teresa Horta

São as pedras
os seios
são as pernas

pele e brandura
no interior
dos lábios

Rosa de leite a subir devagar
na doce pedra
do muco dos meus lábios

São as pedras
os seios
são as pernas

Pêssegos nus
no corpo
descascados

Saliva acesa
que a língua
vai cedendo

o gozo em cima
na pedra
dos meus lábios

Jogo no corpo a roçar o tempo
de ser passado
na minha memória

a mão dolente
como quem masturba
entre os joelhos uma longa história

Vida sangrada de onde se vislumbra
(joelhos desviados sobre a almofada)
ali sedento fim de onde desfruta

o fruto      a fenda
o fundo onde se afunda
o lado do corpo já fechado


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar XII : Maria Teresa Horta

Tenho nas mãos
teus testículos
e a boca, deles tão perto

que neles te sinto
o vício
num gosto de vinho aberto


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar XI : Maria Teresa Horta

Nunca adormece a boca
no teu peito

A minha boca sem pressa
descendo-te até ao ventre
a beber devagar o que é desfeito


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar X : Maria Teresa Horta

A praia da memória
a sulcos feita
a partir da cintura

memória da boca
dos ombros
da tua mansa língua que caminha

A abrir-se devagar
a pouco
e pouco

Lugar onde a seda
se eterniza
piscina onde o tempo se desmancha

A anca repousada
que inclinas
as pernas retesadas que levantas

Mas logo estão os lábios
e se adormentam
no retomar da pele da saliva

A penetrar-me sem pressa
e mais sedento
o vínculo      os corpos      a vastidão do tempo


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)