Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

29 de fevereiro de 2012

Modo de Amar IX : Maria Teresa Horta

Enlaçam as pernas
as pernas
e as ancas

O ar estagnado
estendido
no quarto

As pernas deitadas
ao comprido
sob as pernas

E sobre as pernas
vencem o gemido
flor nascida no vagar do quarto


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar VIII : Maria Teresa Horta

Macias as pernas
na penumbra

e as ancas
subidas
nos dedos que as desviam

Entreabro devagar
a fenda      o fundo      a febre
dos meus lábios

e a tua língua
vagarosa

Toma      morde
lambe
essa humidade esguia


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar VII : Maria Teresa Horta

Secreto o nó na curva
do meu espasmo

E o cume mais claro
dos joelhos
que desdobrados vejo nos espelhos

Ou os teus ombros amor
o meu flanco
na luz dobada vinda do teu espanto


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar VI : Maria Teresa Horta

Inclina os ombros

Deixa as minhas mãos avançarem
na branda madeira

Na densa madeixa do teu ventre

Deixa
que te entreabra as pernas
docemente


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar V : Maria Teresa Horta

Docemente, amor
ainda docemente

o tacto é pouco
e curvo sob os lábios

E se um anel no corpo é saliente
digamos ser de pedra
onde se abre

Opala enorme e morna
tão fremente

dália suposta
no calor da carne

lábios cedidos
de pétalas dormentes

Louca ametista
com odores de tarde

Avidamente amor
com desespero e calma

as mãos subindo pela cintura dada
aos dedos puros uma aridez de praia
que a curvam loucos até ao chão da sala

Ferozmente, amor
com torpidez e raiva

as ancas descendo como cabras
tão estreitas e duras desarmando
a tepidez das minhas que se abrem

E logo os ombros
descaem
e os cabelos

desfalecem as coxas que retomam
das tuas o pecado e o esquecê-lo
em cada movimento em que se domam

Suavemente, amor
agora velozmente

os rins suspensos
os pulsos
e as espáduas

o ventre erecto
enquanto vai crescendo
planta viva entre as minhas nádegas


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar IV : Maria Teresa Horta

Encostada ou de lado
no teu peito

em leque as pernas
abertas
o ventre inclinado

ambos de pé
formando lentos modos

As sombras brandas
tombadas
no soalho


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar III : Maria Teresa Horta



É bom nadar assim
em cima do teu corpo
enquanto mergulhas já
dentro do meu

Ambos piscinas que a nado
atravessamos
de costas tu meu amor
de bruços eu

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

27 de fevereiro de 2012

Modo de Amar II : Maria Teresa Horta

Vais pôr-me de borco
assim inclinada

a nuca a descoberto
o corpo em movimento

a testa a tocar a almofada
que os cabelos afloram
tempo a tempo

vais pôr-me de borco
digo
ajoelhada

as pernas longas
firmadas no lençol

e não há nada, meu amor
já nada, que não façamos
como quem consome

(vais pôr-me de borco
depois inclinada
os meus seios pendentes
nas tuas mãos fechadas)

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Modo de Amar I : Maria Teresa Horta

Lambe-me os seios
desmancha-me a loucura

usa-me as coxas
afaga-me o umbigo

abre-me as pernas
põe-mas nos teus ombros

e lentamente faz o que eu te digo

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Ritual do Amor : Maria Teresa Horta

I
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

As pernas cruzadas
na racha entreaberta

Os braços erguidos
e o vestido
subido nas coxas que se despe

II
Depois é a penumbra
e o vestido
a tirar pela cabeça
amarrotado

As mãos abocanhando
o cimo do vestido
no desatino - na pressa
que as invade

Acesa a carne
no ócio dessa tarde
liberta enfim da seda do vestido

que em vez de seda é sede
e é a tarde
acesa enfim no corpo sem vestido

III
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

na febre em que
se despe
e é tirado
no hálito do quarto

ou atirado
e cai devagar
depois de ser despido

IV
Aos pés
está o vestido
amachucado

depois os joelhos no vestido

as coxas brandas e doces
no tecido
que vai cedendo ao gosto dessa tarde

V
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que se ergue
do chão
amarfanhado

o vestido que mal foi despido
conheceu do corpo
o peso do seu acto

VI
Assim volta à maneira
de vesti-lo
tornar a descê-lo pelos braços

cortando logo a tarde
e a ternura
perdida na penumbra desse quarto

VII
Quanta saudade
da seda do vestido
que à pele adere
num outro abraço

Baraço entorpecido
nos sentidos
secreta maneira
de tolher os passos

VIII
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

Já só memória
o corpo todo
nu

Dissimulado agora pelo vestido
que os dedos abandonam

um a um

IX
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que o gesto alisa
ao descer o fato

Vestido que na fímbria
ainda é vestido
mas não na fenda
onde já se abre

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)


26 de fevereiro de 2012

As virilhas: Maria Teresa Horta


Entreabrem-se as coxas
e expõem-se
as virilhas

Com a tepidez
do musgo
ao tacto incerto

Perto de um bosque
que precipita ainda
em humidade doce

o lábio
o dedo
e só depois o gesto

Morbidez do corpo
pior que as axilas
estas colinas mansas entre as pernas

Lugares onde o útero
guarda
o seu clima

pequenas cordilheiras
a seguir
se incerta se procura
o túnel da vagina

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

A boca do corpo: Maria Teresa Horta

Digo da boca do corpo
uma rosa

a língua lenta
e o suco da garganta

Gomo a gomo
do útero
a laranja

Pétala por pétala
tecida a sua franja

O fito      o fato
tirado pela cabeça

Em baixo a boca
no fio do movimento

Acompanhar o pé
subindo até à anca
o fio do cuspo

da rosa o alimento

A arte      a harpa
tangida
nos joelhos

de borco a porta

escondida no calor
do corpo a boca
colhida como rosa

na jarra acesa a rosa em seu odor

Do corpo a boca
no lago dos sentidos
guiando os dedos

em cima o seu labor

que os lábios bordam
na boca
os seus gemidos

A rosa      a roca
a boca da flor

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

O clitóris: Maria Teresa Horta

Eis na flor
o nervo mais antigo
na boca dela o botão dos lábios

Centro do gozo no lugar
mais íntimo

Lugar do corpo
de me vir a nado

Cisterna
cisterna
de todo o orgasmo

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

O púbis: Maria Teresa Horta

Dália dormente
largada sobre o corpo

Duna sedenta
a começar nas pernas

Limo enlaçado
no fundo do seu ventre

Pálpebra acesa
na raiz das trevas

Taça de areia
virada no seu fundo

Onde se afunda
a boca sobre ela

Piscina espessa
onde nada a sombra

Guelra do corpo
a respirar a névoa

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

O umbigo: Maria Teresa Horta

Falemos em seguida
do umbigo
onde a seda

          ( a seda )

se prende devagar
e devagar se escoa

          ( estende )

a quem do corpo
bebe
o manso lago adormecendo a pele

o lento e manso lago
de envenenar e entorpecer
a boca

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

O ventre: Maria Teresa Horta

Repositório do corpo
e taça dos seus líquidos
é o ventre o repouso sobre a cama

Mas é também o acto
e o motivo
ternura lenta que a língua planeia

É a chama do corpo
é susto      é aquilo
é tudo o que  inventar se possa na vontade

Tão depressa mármore
como vidro
tão depressa mar como ansiedade

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

As ancas: Maria Teresa Horta

Desloquemos as ancas com cuidado
se for ao andar mas não na cama
que aí as ancas ajudam e ajustam

Curvam e tomam das posições
a correcção exacta
para melhor prazer e maior chama

Medida certa e seca em cada corpo
as ancas lentas no ardor da carne
na ternura das pernas onde se ama

Pois a modulação das ancas
é a ondulação das ancas
é a ondulação do mar e do deleite

Da vertigem das ancas

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

As nádegas: Maria Teresa Horta

Porque das nádegas
a carne
sempre oferece
a fenda
o rio
o fundo do buraco

Para lento uso do corpo
nunca o fraco
poder do corpo em torno desse vaso

Ambíguo modo de ser
usado
e visto

De todo o corpo
aquele
menos dado

Preso onde está já
do próprio vício
e mais não é do que o limiar do acto

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

24 de fevereiro de 2012

Os cabelos: Maria Teresa Horta

O peso vegetal
da noite aos cabelos

do mar que se insinua
na flor
dos cabelos

Depois há a memória
os dedos
a palma quente

o pulso que se insinua
a fita que se desprende

A nudez     o rio
o risco
o traço laçado sempre

o ritual dos ombros
e nos cabelos
a sede

os goivos brandos
da seda
dos cabelos

Tão pouco as mãos
desmancham
ou descuram

tomam e imobilizam
no jaspe
da moldura

Da maciez cantada
dos cabelos

permanece a cor
deles nascendo
o metal das horas

O novelo do tempo
um odor de fruto
que perdura

pérola de novo
ou ametista
pura

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Os dedos: Maria Teresa Horta

Serenamente os dedos
sob os dedos

um fogo brando
nos seios da madrugada

se bebo o medo
do medo dos teus dedos
apago os lábios
nos lábios dessa água

Côncavo breve da palma
e logo os dedos
da tua mão fechada na cintura
depois descendo
crescendo e já fendendo
tocando enfim no topo da loucura

Punho da espada
ou pulso do teu braço

os dedos baixo
descobrindo o nada

enquanto eu monto renasço
e vou gemendo

subindo em mim
até de madrugada

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Os seios: Maria Teresa Horta

Não se tem dos seios
mais que a brandura erecta

O resto é pedra e terra
em seu anseio

O gosto brando
acidulado e róseo

brota nos lábios
e enlouquece a meio

Matriz do suco
onde a saliva vence

os bicos duros
na sede onde se dobram

Voraz primeiro
a raiva em que acendem

se curvam breve
sobre a boca ansiosa

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

23 de fevereiro de 2012

O Corpo: Maria Teresa Horta

Digo do corpo
o corpo
e do meu corpo

digo do corpo
o sítio e os lugares

de feltro os seios
de lâminas os dentes
de seda as coxas
o dorso em seus vagares

Lazeres do corpo
os ombros
as lisuras      o colo alto
a boca retomada

no fim das pernas
a porta da ternura
dentro dos lábios
o fim da madrugada

digo do corpo
o corpo
e do teu corpo

as ancas breves
ao gosto dos abraços

os olhos fundos
e as mãos ardentes
com que me prendes
em súbitos cansaços

Vício de um corpo
o teu
com seu veneno

que bebo e sugo
até ao mais amargo

ao mais cruel grau
do esgotamento
onde em silêncio
nado em cada espasmo

Digo do corpo
o corpo
o nosso corpo

digo do corpo
o gozo
do que faço

Digo do corpo
o uso
dos meus dias

a alegria do corpo
sem disfarce

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Imprevisto: Maria Teresa Horta

Que surpresa
a dos dedos
quando percorrem o corpo

ou espalham os cabelos
pelas costas
despidas

Em breve será o ventre
e em seguida

as pernas lentas
mansamente erguidas

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

A LÍNGUA: Maria Teresa Horta

Quanto mais lenta
é a língua

             ( a tua língua)

mais breves são os lábios
e sobretudo os dentes

a resvalarem breves na saliva
misturada já
no cimo do meu ventre

Quanto mais branda
é a língua

            ( a tua língua)

mais deliciosos são os lábios
e as gengivas
a enrrijecerem

com a avidez do suco
que brota logo do fruto
da vagina

Quanto mais leve
é a língua

             ( a tua língua)

mais pesado é o hábito
que circula
enovelando o que sobra ainda

de lucidez
de prazer
e gula

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

A boca - Os lábios: Maria Teresa Horta

A boca
os lábios


o labirinto dos dentes
que a saliva procura
na vagina da face


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

20 de fevereiro de 2012

Poema ao Desejo: Maria Teresa Horta


Empurra a tua espada
no meu ventre
enterra-a devagar até ao cimo

Que eu sinta de ti
a queimadura
e a tua mordedura nos meus rins

Deixa depois que a tua boca
desça
e me contorne as pernas de doçura

Ò meu amor a tua língua
prende
aquilo que desprende da loucura

Maria Teresa Horta
Portugal 1937
 in As Palavras do Corpo
(Portugal)

O Meu Desejo: Maria Teresa Horta

Afaga devagar as minhas
pernas

Entreabre devagar os meus
joelhos

Morde devagar o que é
negado

Bebe devagar o meu
Desejo

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Desejo: Maria Teresa Horta

Descontrolo devagar
sobre o teu corpo
os lábios de súbito desmanchados

e as mãos não cedem
nos teus ombros
à sede de ter-te nos meus braços

Mas se desfeito
descubro nos lençóis
um suor cuvado     amachucado

Vou-te mordendo – voraz
numa doença
bebendo em delírio o que me fazes

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Noite: Maria Teresa Horta

De noite só quero vestido
e tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos

Sobre os seios quero a marca
do sinal dos teus dentes
e a vergasta dos teus lábios
a doer-me sobre o ventre

Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais ardente
e da saliva o chicote
da tua língua dormente

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Invocação ao Amor: Maria Teresa Horta

Pedir-te a sensação
a água
o travo

aquele odor antigo
de uma parede
branca

Pedir-te na vertigem
a certeza
que tens nos olhos
quando me desejas

Pedir-te sobre a mão
a boca inchada
um rasto de saliva
na garganta

Pedir-te que me dispas
e me deites
de borco e os meus seios
na tua cara

Pedir-te que me olhes
e me aceites
me percorras
me invadas
me pressintas

Pedir-te que me peças
que te queira
no separar das horas
sobre a língua

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

Antecipação: Maria Teresa Horta

Entreabro as minhas
coxas
no início dos teus beijos

imagino as tuas
pernas
guiadas pelo desejo

oiço o teu
gemido
calado pelos meus dentes

 imagino a tua boca
rasgada
sobre o meu ventre

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)

17 de fevereiro de 2012

Eu não sei se é o amor: Camilo Pessanha

... Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, com este sol de inverno.
Passo contigo a tarde, sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, quem provoca.
Eu não demoro a olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é o amor, será talvez começo.
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.

Camilo Pessanha in Interrogação (excerto)
(Portugal 1867-1926)

15 de fevereiro de 2012

Esmagados contra o meu peito

Esmagados contra o meu peito
Os seus seios estremecem.  Entre as suas
Coxas flui a seiva do doce do amor
" Não    outra vez não... Deixa-me descansar...
E aos sussurros sucedem-se as súplicas
E às súplicas    os suspiros
E aos suspiros o silêncio...
Terei adormecido? Estarei a agonizar?
Ou    será que estou a sonhar?

Poemas eróticos da Indía antiga
Séc. IV a.c.

As manchas vermelhas de betél

As manchas vermelhas de betél
As negras marcas do aloés
O aroma dos cremes perfumados
As pegadas de laca
As flores caídas das suas tranças
Nos lençóis em desalinho
Deixam supor as diversas posições
Que adoptou a amada
Com o seu amante enquanto faziam amor.

Poemas eróticos da Indía antiga
Séc. IV a.c.

Joelho: Maria Teresa Horta

Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho

Desço-te a perna
arrastando 
a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo

Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo

Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas

Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal n.1937)

Sinto que te amei: Rabindranath Tagore


Sinto que te amei
em inumeráveis formas,
em inumeráveis épocas,
vida após vida,
era após era, sempre.
O meu coração enfeitiçado
fez e refez
o colar de canções
que aceitaste como prenda,
que usas ao pescoço
nas tuas muitas formas,
vida após vida
era após era,
para sempre.

Sempre que ouço antigas 
histórias de amor,
a sua dor sem idade,
o antigo conto da separação
e do reencontro,
quanto mais penso no passado,
no fim, eis que tu emerges
envolta na luz
de uma estrela polar,
penetrando a escuridão dos tempos:
tornas-te uma imagem
do que é para sempre recordado.

Rabindranath Tagore
(India 1861-1941)
Excerto de Unending Love

14 de fevereiro de 2012

Eu não sou tua: Sara Teasdale


Eu não sou tua, não me perco em você,
Não me perco, embora vá desejar
Perder-me como uma vela acesa ao meio-dia,
Perder-me como um floco de neve no mar.

Você me ama, e eu te acho ainda
Um espírito belo e brilhante,
Mas sou eu, quem vai desejar
Perder-me como uma luz na luz radiante.

Ah, mergulhe-me fundo no amor – apague
Meus sentidos, deixe-me surda e sem visão,
Varrida pela tempestade do seu amor,
Uma vela em meio a um furacão.

Sara Teasdale
(USA 1884-1933)

I Am Not Yours by Sara Teasdale

I am not yours, not lost in you,
Not lost, although I long to be
Lost as a candle lit at noon,
Lost as a snowflake in the sea.

You love me, and I find you still
A spirit beautiful and bright,
Yet I am I, who long to be
Lost as a light is lost in light.

Oh plunge me deep in love -- put out
My senses, leave me deaf and blind,
Swept by the tempest of your love,
A taper in a rushing wind.

Sara Teasdale
(USA 1884-1933)

Todas as cartas de amor são: Fernando Pessoa

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor, 
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor, 
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram 
Cartas de amor 
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia 
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje 
As minhas memórias 
Dessas cartas de amor 
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)

13 de fevereiro de 2012

EU AMEI-TE... : Aleksandr Púshkin

Eu amei-te; mesmo mesmo agora devo confessar,
Algumas brasas desse amor estão ainda a arder;
Mas não deixes que isso te faça sofrer,
Não quero que nada te possa inquietar.
O meu amor por ti era um amor desesperado,
Tímido por vezes, e ciumento por fim.
Tão terna, tão sinceramente te amei,
Que peço a Deus que outro te ame assim.

Aleksandr Púshkin
(Russia 1799-1837)

Décima Ingénua: Paul Verlaine

Oh lembrança de infância, e leite alimentício,
E oh adolescência e o seu esplendor de início!
Nos tempos de garoto era já meu labor
- Pra evocar a Fêmea e embalar a dor
De ter um pirilau, imperceptível ponte
Irrisória, prepúcio imenso aonde aponte
O esperma que há-de vir, ó sebácea miragem,
Bater punheta com essa bonita imagem
De uma suave pele de ama de menino.

Pois ainda hoje bato a punheta sozinho!

Paul Verlaine in Hombres e Algumas Mulheres
(França 1844-1896)

12 de fevereiro de 2012

Não blasfemes poeta: Paul Verlaine


Não blasfemes poeta, e recorda-te, peço:
À fêmea é bom por certo, e merece uma foda,
Sem cu honra lhe presta, inda qu'obeso em toda,
E já o saboreei muitas vezes, confesso.


Esse cu (e o mamilo) oh, que ninho d'amores!
De joelhos e beijo e lambo o orifício;
Os dedos noutro poço afundo por ofício.
E os belos seios, quão devassos seus langores!


Na cama servirá ainda, esse cu meu,
De travesseiro, par doutros d'apoio os rins,
Qual mola de ressalto ao ventre, prós seus fins;
Entrar o homem mais na mulher qu'elegeu.


Nele repouso as mãos, braços pernas também.
E os pés - Tanta frescura, elástica e redonda,
Fizeram-no descanso ansiado, onde ronda,
Saltitante, o desejo, em ágil vaivém.


Mas pôr esse bom cu a par de um cu viril!
Gordo, prático, sim, mas não voluptuoso,
E o cu do homem, flor de estética e de gozo,
Dizê-lo frente àquela, apoucado e servil?!


" Mal está! "eis Amor clama. E diz a voz da história:
Cu de homem, o brasão de Hélade e ornamento
Quão divino de Roma, e mais divino alento
Da Sodoma final, mártir por sua glória.


Shakespeare vota Ofélia à sua sorte mais mofina,
Desdémona, Cordélia e todo o belo sexo,
Para em verso entoar (vexar-nos não tem nexo)
Um canto d'aleluia á forma masculina.


Do macho os Valois eram loucos; e agora,
A Europa emburguesada e assaz feminina
Ao próprio rei Luís da Baviera estima,
Rei virgem, coração que ao homem só adora.


A carne, enfim, e mesmo cada mulher proclama
Do soberbo Donzel, piça, cu, dorso e rosto;
Por isso, e como foi por Rousseau já proposto,
Convém poeta, ser-se um tanto " alheio à dama ".


Paul Verlaine in Hombres e Algumas Mulheres
(França 1844-1896)
Foto Google

Porque mais vale à mulher: Paul Verlaine

Porque mais vale à mulher
Em camisa amor fazer,
Se a nossa compincha quer
Estar tal qual deve ser


Expressamente se reclama
Curto véu a recortar
Coxa, perna, rabo, mama,
Grandes de mais prò seu ar;


Só se apartando o corpete
Em prol da cona divina
Prà função e prò minete,
Pois o resto é coisa indigna.


Visto isto serei franco:
A falta de proporções
Desse todo róseo e branco...
Há que tirar ilações!


Que ao jovem, esse, aproveita,
Prà beleza realçar,
(Neófito, ou já da seita)
Em toda a nudez amar.


Vede-me essa carne lídima,
Inteligente a vibrar,
Intrépida e também tímida,
Por grão dom sobrepujar


Toda a carne feminina
E a bestial - vero Belo! -
Essa graça que fascina
De ser múltiplo modelo,


Osso e músculo em jogo atleta,
Polpa firme e mole tecido,
Ele interpreta e completa
O sentir recém-nascido.


Vem-se, d'ira, a empertigar,
E tesa e mole, no ardor
De aprazer-se e prazer dar,
Tende e distende no amor.


E quando a morte a matar,
À carne que me soube a deus,
Há-de em mármor'azul fixar,
Nobre os elementos seus.


Paul Verlaine in Hombres e Algumas Mulheres
(França 1844-1896)
Foto Google

CENA POPULAR: Paul Verlaine


Quinze anos o aprendiz, feio mas encorpado,
Gentil no trato rude, o rosto mais tisudo,
O olhar vivo, extrai do fato de trabalho,
Pimpão e entesado, já o grosso caralho,
E enfia-o na patroa, uma gorda inda boa,
Mesmo à beira da cama, em delíquio, à toa,
Pernas no ar e seios à mostra, um desacato!
Aperta o moço o rabo a coberto do fato,
Prá frente, num afã, frequentes passos dá;
Não tem, vê-se, temor de bem s'implantar lá
No fundo, e d'emprenhar a dama, que consente
(O corno do marido é rico, e é inocente!).
Súbito ei-la que grita em grão deslumbramento:
" Oh! Fizeste-me um filho! oh! mais gosto de ti! "
E finda a coisa, diz: " Pois já temos aqui
Os bombons do baptismo! " - e sábia em malas-artes,
Sopesa-lhe, belisca e beija-lhe os tomates.

Paul Verlaine in Hombres e Algumas Mulheres
(França 1844-1896)
Foto Google

10 de fevereiro de 2012

Mesmo quando não te entesas todo: Paul Verlaine

Mesmo quando não te entesas todo
mesmo assim a tua picha me deleita,
Que branco d'oiro e pendente enfeita
Os teus tomates, sombrio engodo.

Colhões do meu amante, altivos
Gémeos, em pele de chagrém tão fina,
D'um malte meio rosa e purpurina,
Colhões farsantes e combativos,

Dos quais o esquerdo baila um pouco,
Um poucochinho mais que o irmão,
Ar bonifrate e espertalhão,
Com que fim porra!, o grande louco?!

Tua pilinha é anafada
E de veludo, do púbis vem
Té ao prepúcio que o pico atém,
Até  quase à crista rosada.

Incha um tudo-nada na ponta
E sob a pele vai desenhar
A glande grossa qual polegar
Mostrando os lábios mesmo na ponta.

Após ter sido por mim beijada
Com agradecida paixão,
Deixa acaricia-la esta mão,
E agarra-la depois ousada,

Pra'a descalotar de repente,
De modo que, em tons violeta,
A jovial glande, não mais quieta,
Irrompe aí esplendidamente!

Logo acelera o movimento
E, sempre levada da breca,
Aquela cabeça careca
Vá de s'empinar, num momento!

Estás com tesão! - é o que queriam
M'nha boca meu {cu
                           {cono - qual preferes?
Ou simples pívia é o que tu queres?
É o que os meus dez dedos queriam!

Mas já o caralho, esse meu ídolo,
Estende para o rito e para o cu -
Tu, prás minhas mãos, boca e cu -
A sua forma adorável de ídolo.

Paul Verlaine in Hombres e Algumas Mulheres
(França 1844-1896)
Foto Google

Põe-te em mim tal qual mulher: Paul Verlaine


Põe-te em mim tal qual mulher
Que eu em ripanço fodesse
É assim que te apetece?
Enquanto o meu pau se insere


Como faca em manteiga,
Posso beijar-te na boca,
Fazer linguado à louca,
Língua porca e também meiga!


Teus olhos vejo, onde enfronho
Os meus, até ao fundo d'alma,
E o desejo leva a palma
Numa luxúria de sonho.


O dorso móvel modelo,
O flanco ardente e a nuca,
A grácil dupla peruca
Das axilas , e o cabelo.


Teu cu no meu a cavalo
Violenta-o com seu peso,
Enquanto o meu contrapeso
Se exibe para teu regalo,


E regalas-te, riqueza!,
Pois a tua bela porra
Ciosa pela desforra
Incha, cresce, fica tesa.


Céus! A pérola, ist´é a gota,
Já se anuncia e cintila
No meato: engoli-la
Devo eu, portanto brota


O meu fluxo. Então acorro
A trazer até à boca
Tua glande febril, louca
Por se vir em rio, em jorro.


Leite, deleite e alimento,
Cheiro a flor d'amendoeira
Esmola para a sede inteira
Sede de ti, meu tormento.


Rico se vai, generoso,
O dom dessa adolescência:
Partilha da tua essência
Meu ser ébrio, de ditoso.


Paul Verlaine in Hombres e Algumas Mulheres
(França 1844-1896)
Foto Google

9 de fevereiro de 2012

Quando o meu amante se deitou a meu lado

Quando o meu amante se deitou a meu lado
Por si só se desprendeu o meu cinto
E mal suspenso da cintura
O vestido deslizou-me pelos quadris
É a única coisa que sei
Pois mal senti o contacto do seu corpo
De tudo me esqueci
De quem era ele
De quem era eu
De como foi o nosso prazer


Poemas eróticos da Índia antiga
Séc. IV a. c.

Quando verei de novo firmes as tuas coxas

Quando verei de novo firmes as tuas coxas
Que em defesa se cerram uma contra a outra
Para depois se entreabrirem ao desejo obedientes
E ao cair do vestido de súbito revelarem
Como um selo de lacre sobre um segredo obscuro
Húmidas ainda as marcas das minhas unhas

Poemas eróticos da Índia antiga
Séc. IV a. c.

4 de fevereiro de 2012

First time he kissed me, he but only kissed by Elizabeth Barrett Browning

First time he kissed me, he but only kissed
The fingers of this hand wherewith I write;
And ever since, it grew more clean and white,
Slow to world-greetings, quick with its 'Oh, list,'
When the angels speak. A ring of amethyst
I could not wear here, plainer to my sight,
Than that first kiss. The second passed in height
The first, and sought the forehead, and half missed,
Half falling on the hair. O beyond meed!
That was the chrism of love, which love's own crown,
With sanctifying sweetness, did precede.
The third upon my lips was folded down
In perfect, purple state; since when, indeed,
I have been proud and said, 'My love, my own.'

Elizabeth Barrett Browning
(England 1806 – Italy 1861)
photo by Google

When we met first and loved, I did not build by Elizabeth Barrett Browning

When we met first and loved, I did not build
Upon the event with marble. Could it mean
To last, a love set pendulous between
Sorrow and sorrow? Nay, I rather thrilled,
Distrusting every light that seemed to gild
The onward path, and feared to overlean
A finger even. And, though I have grown serene
And strong since then, I think that God has willed
A still renewable fear . . . O love, O troth . . .
Lest these enclasped hands should never hold,
This mutual kiss drop down between us both
As an unowned thing, once the lips being cold.
And Love, be false! if he, to keep one oath,
Must lose one joy, by his life's star foretold.

Elizabeth Barrett Browning
(England 1806 – Italy 1861)