Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

27 de dezembro de 2012

Ode ao Amor : María Mercedes Carranza


Uma tarde que jamais esquecerás
chega a tua casa e senta-te à mesa.
Pouco a pouco terá um lugar em cada quarto,
nas paredes e nos móveis estarão as suas marcas,
abrirá a tua cama e amarrotará a almofada.
Os livros da biblioteca, precioso tecido de anos,
acomodar-se-ão ao seu gosto e semelhança,
mudarão de lugar as fotografias antigas.
Outros olhos contemplarão os teus hábitos,
as tuas idas e vindas entre paredes e abraços
e serão diferentes os ruídos quotidianos e os cheiros.
Uma qualquer tarde que jamais esquecerás
o que desarrumou a tua casa e habitou as tuas coisas
sairá pela porta sem dizer adeus.
Terás de começar a fazer de novo a casa,
arrumar os móveis e limpar as paredes,
mudar as fechaduras, quebrar os retratos,
varrer tudo e continuar a viver.


María Mercedes Carranza
(Colômbia 1945-2003)
in Um País Que Sonha - Cem anos de poesia colombiana

18 de dezembro de 2012

Se a nossa vida fosse: Fernando Pessoa


101.
   Se a nossa vida fosse um eterno estar-à-janela, se assim ficássemos,
como um fumo parado, sempre, tendo sempre o mesmo momento de crepúsculo
dolorindo a sombra dos montes. Se assim ficássemos para além de sempre!
Se ao menos, aquém da impossibilidade, assim pudessemos quedar-nos,
sem que cometêssemos uma acção, sem que os nossos lábios pálidos
pecassem mais palavras!
   Olha como vai escurecendo!... O sossego positivo de tudo enche-me de
raiva, de qualquer coisa que é o travo no sabor da aspiração.
Dói-me a alma...
Um traço lento de fumo erge-se e dispersa-se lá longe... Um tédio
inquieto fas-me não pensar mais em ti...
  Tão supérfluo tudo! nós e o momento e o mistério de tudo.

Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
in Livro do Desassossego
"Assirio & Alvim"

Um dia quando a ternura... : José Luis Peixoto


    um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da  nossa janela.
sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha,

Jose Luis Peixoto
(Portugal

15 de dezembro de 2012

Precisava de falar-te ao ouvido: Daniel Faria


Precisava de falar-te ao ouvido
De manter sobre a rodilha do silêncio
A escrita
Precisava dos teus joelhos. Da tua porta aberta.
Da indigência. E da fadiga.
Da tua sombra sobre a minha sombra
E da tua casa
E do chão.

Daniel Faria    "inédito"
(Portugal 1971-1999)

13 de dezembro de 2012

No tempo em que éramos felizes: José Luis Peixoto

no tempo em que éramos felizes não chovia.
levantavamo-nos juntos, abraçados ao sol.
as manhãs eram um céu infinito. o nosso amor
era as manhãs. no tempo em que éramos felizes
o horizonte tocava-se com a ponta dos dedos.
as marés traziam o fim da tarde e não víamos
mais do que o olhar um do outro. brincava-mos
e éramos crianças felizes. às vezes ainda
te espero como te esperava quando chegavas
com uniforme lindo da tua infância.
há muito tempo que te espero. há muito tempo que não vens.

José Luís Peixoto
(Portugal
in A criança em ruínas

Há algo em ti: Dora Castellanos

Há algo em ti que nunca conquistei
sombra vã que não obedece,
algo que me perturba e me estremece:
flor  de amor que nunca desfolhei.

É algo indefinível, atormentado;
noite que não acaba nem amanhece;
que sórdido cílio permanece
entre a carne viva, soterrado.

Algo entre a loucura e o espanto.
Grito que vai chegar e nunca chega,
perto do resplendor, próximo do pranto.

Ó trágica dor de ferida cega!
Amor por quem suspiro e me levanto,
há algo em ti que nunca  se me entrega.

Dora  Castellanos
(Colômbia 1924)
in Um País Que Sonha
"cem anos de poesia colombiana"

Quase Obsceno: Raúl Gómez Jattin


Se quiseres ouvir o que me digo na almofada
o rubor do teu rosto seria a recompensa;
São palavras tão íntimas como a minha própria carne
que padece a dor da tua implacável lembrança
Conto-te Sim? Não te vingarás um dia? Digo-me:
Beijaria essa boca lentamente até a tornar vermelha
no momento mais inesperado e como por acaso
o toca com esse fervor que inspira o sagrado
Não sou malvado. Trato de te enamorar
Tento ser sincero com o doente que estou e entrar
no malefício do teu corpo como um rio que receia o mar
mas acaba por morrer nele.

 Raúl Gómez Jattin (Colômbia 1945-1997)
in Um país que sonha "Cem anos poesia colombiana"

Quando o meu desejo... : Ono No Komachi



Quando o meu desejo
se torna imenso de mais,
visto a roupa de dormir
virada do avesso,
escura casca da noite.1       Excerto

1. Velho costume japonês de virar a roupa ao contrário para que se cumpra um desejo.

Ono No Komachi
(Japão 834 ?)
in O Japão no Feminino I

11 de dezembro de 2012

Poderia ter escrito a tremer de respirares tão longe : Daniel Faria

Poderia ter escrito a tremer de respirares tão longe
Ter escrito com o sangue.
Também poderia ter escrito as visões
Se os olhos divídidos em partes não sobrassem
No vazio da cegues
E luz.
Poderia ter escrito o que sei
Do futuro e de ti
E de ter visto no deserto
O silêncio, o fogo e o dilúvio.
De dormir cheio de sede e poderia
Escrever
O interior do repouso
E ser faúlha onde  a morte vive
E a vida rompe.
E poderia ter escrito o meu nome no teu nome
Porque me alimento da tua boca
E na palavra me sustento em ti
                                                    (Inédito)
Daniel Faria
(Portugal 1971-1999)
in Poesia - Assirio & Alvim
     

O meu desejo de ti : Ono No Komachi


O meu desejo de ti
é forte para contê-lo
assim ninguém vai culpar-me
se à noite for ter contigo
pela estrada dos meus sonhos

Não há como vê-lo
nesta noite sem luar --
estou deitada e desperta,
os seios ardendo em desejo
e o coração em chamas

Ono No Komachi
(Japão 834?)
in O Japão no Feminino I

5 de dezembro de 2012

A Mulher mais bonita do mundo : José Luis Peixoto


estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer que
estás bonita.
entro na casa, entro no quarto, abro o armário, abro
uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.
entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
Estás tão bonita hoje.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

José Luis Peixoto
(Portugal
in Uma casa na escuridão

2 de dezembro de 2012

Cio: Glória Sartore















Cio
                          

Entre as pernas te prendo
serpente e presa em duelo

Instintivos golpes
em obscena estratégia
– despudorada arma

Vitoriosa
bebo em teu cálice
o sêmen

...chove sobre o cio.

Glória Sartore
(Brasil)

Cortando las Cebollas: Domingo Alfonso

- Para Ismael González Castañar y su esposa-

Apoyado sobre tus brazos
tus ojos y mis pupilas
se hunden en aguas de una laguna
que asfixian todo sentimiento diferente.

De esta manera
unidos el uno y el otro, fundidos
gracias al diablo que despertó:
Mis manos en tus nalgas; pero queriendo cubrir
cada pulgada de tu cuerpo
en un abrazo imposible.

Nada diferente.
Historias tan conocidas.

Media hora después,
en la cocina, cortando las cebollas
Nada recordarás.

Probablemente
mis manos al acariciar este papel
piensan que toco la curva de tu espalda.

Domingo Alfonso
“Cuba n. 1935”

De redondo cu : E. M. Melo e Castro


de redondo cu
eu cúbica te quero
como cólera química ou paz comum
que nada tão navega
a tua nádega núbica
de redondo nenúfar
nu furioso.

no volume do cu
velo o teu lume
ocioso cio de culher
nos colhões que te encosto
pelas costas
no cu que te descubro
pelo olho
no volume que rasgo
pela vela
do duro coração na cumoção
de ter-te pelas tetas
culocada na posição
decúbita
culada
da comunicação.

E. M. Melo e Castro
(Portugal 1932

E me disseste: Vem : Albano Martins


E me disseste: vem. E havia
alguns despojos sobre a areia, algumas
ressentidas grinaldas
no limiar das têmporas. Havia
alguns gestos suspensos, um cofre
de esmeraldas, um torpor
nos membros retardados. E havia
um colar para as mãos, uma colina
para os lábios e uma flor
intacta perfumando
o silêncio, à beira
de indizíveis planícies.

Albano Martins in Os dias do Amor
“Portugal n. 1930”

30 de novembro de 2012

O guardador de rebanhos: Alberto Caeiro


I
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
É se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me veem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente

II
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…

III
Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos…
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros…

IV
Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Como um pedregulho enorme…
Como alguém que duma janela alta
Sacode uma toalha de mesa,
E as migalhas, por caírem todas juntas,
Fazem algum barulho ao cair,
A chuva chovia do céu
E enegreceu os caminhos…
Quando os relâmpagos sacudiam o ar
E abanavam o espaço
Como uma grande cabeça que diz que não,
Não sei porquê — eu não tinha medo —
Pus-me a rezar a Santa Bárbara
Como se eu fosse a velha tia de alguém…
Ah! é que rezando a Santa Bárbara
Eu sentia-me ainda mais simples
Do que julgo que sou…
Sentia-me familiar e caseiro
E tendo passado a vida
Tranquilamente, como o muro do quintal;
Tendo ideias e sentimentos por os ter
Como uma flor tem perfume e cor…
Sentia-me alguém que possa acreditar em Santa Bárbara…
Ah, poder crer em Santa Bárbara!
(Quem crê que há Santa Bárbara,
Julgará que ela é gente e visível
Ou que julgará dela?)
(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara?… Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos…
Poderia julgar que o sol
É Deus, e que a trovoada
É uma quantidade de gente
Zangada por cima de nós…
Ali, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!)
E eu, pensando em tudo isto,
Fiquei outra vez menos feliz…
Fiquei sombrio e adoecido e soturno
Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça
E nem sequer de noite chega…

V
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
«Constituição íntima das cousas»…
«Sentido íntimo do Universo»…
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

Fernando Pessoa
Portugal (Lisboa) 1888-1935
in Poemas de Alberto Caeiro
Editor: Ática
photo by Google


Lento, amargo animal: Jaime Sabines


Lento, amargo animal
que soy, que he sido,
amargo desde el nudo de polvo y agua y viento
que en la primera generación del hombre pedía Dios.

Amargo como esos minerales amargos
que em las noches de exacta soledad
- maldita y arruinada soledad
sin uno mismo -
trepan a la garganta
y, costras de silencio,
asfixian, matan, resucitan.

Amargo como esa voz amarga
prenatal, presubstancial, que dijo
nuestra palabra, que anduvo nuestro camino,
que murió nuestra muerte,
y que en todo momento descubrimos.

Amargo desde dentro,
desde lo que no soy,
- mi piel como mi lengua -
desde el primer viviente,
anuncio y profecía.

Lento desde hace siglos,
Remoto - nada hay detrás -
Lejano, lejos, desconocido.
Lento, amargo animal
que soy, que he sido.

Jaime Sabines
“México 1926-1999”

Codiciada, prohibida: Jaime Sabines



Codiciada, prohibida,
cercana estás, a un paso, hechicera.

,
cercana estás, a un paso, hechicera.
Te ofreces con los ojos al que pasa,
al que te mira, madura, derramante,
al que pide tu cuerpo como una tumba.
Joven maligna, virgen,
encendida, cerrada,
te estoy viendo y amando,
tu sangre alborotada,
tu cabeza girando y ascendiendo,
tu cuerpo horizontal sobre las uvas y el humo.
Eres perfecta, deseada.
Te amo a ti y a tu madre cuando estáis juntas.
Ella es hermosa todavía y tiene
lo que tú no sabes.
No sé a quién prefiero
cuando te arregla el vestido
y te suelta para que busques el amor.

Jaime Sabines
“México 1926-1999”

Después de todo: Jaime Sabines


Después de todo -pero después de todo-
sólo se trata de acostarse juntos,
se trata de la carne,
de los cuerpos desnudos,
lámpara de la muerte en el mundo.

Gloria degollada, sobreviviente
del tiempo sordomudo,
mezquina paga de los que mueren juntos.

A la miseria del placer, eternidad,
condenaste la búsqueda, al injusto
fracaso encadenaste sed,
clavaste el corazón a un muro.

Se trata de mi cuerpo al que bendigo,
contra el que lucho,
el que ha de darme todo
en un silencio robusto
y el que se muere y mata a menudo.

Soledad, márcame con tu pie desnudo,
aprieta mi corazón como las uvas
y lléname la boca con su licor maduro.

Jaime Sabines
“México 1926-1999”

Me tienes en tus manos: Jaime Sabines


Me tienes en tus manos
y me lees lo mismo que un libro.
Sabes lo que yo ignoro
y me dices las cosas que no me digo.
Me aprendo en ti más que en mi mismo.
Eres como un milagro de todas horas,
como un dolor sin sitio.
Si no fueras mujer fueras mi amigo.
A veces quiero hablarte de mujeres
que a un lado tuyo persigo.
Eres como el perdón
y yo soy como tu hijo.
¿Qué buenos ojos tienes cuando estás conmigo?
¡Qué distante te haces y qué ausente
cuando a la soledad te sacrifico!
Dulce como tu nombre, como un higo,
me esperas en tu amor hasta que arribo.
Tú eres como mi casa,
eres como mi muerte, amor mío.

Jaime Sabines
“México 1926-1999”

There is another sky by Emily Dickinson


There is another sky,
Ever serene and fair,
And there is another sunshine,
Though it be darkness there;
Never mind faded forests, Austin,
Never mind silent fields -
Here is a little forest,
Whose leaf is ever green;
Here is a brighter garden,
Where not a frost has been;
In its unfading flowers
I hear the bright bee hum:
Prithee, my brother,
Into my garden come!


Emily Dickinson
                                                                                 (USA 1830-1886)

The Raven by Edgar Allan Poe


Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
"'Tis some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door -
Only this, and nothing more."

Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; - vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow - sorrow for the lost Lenore -
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore -
Nameless here for evermore.

And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me - filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating,
"'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door -
Some late visitor entreating entrance at my chamber door; -
This it is, and nothing more."

Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir," said I, "or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you"- here I opened wide the door; -
Darkness there, and nothing more.

Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenore?"
This I whispered, and an echo murmured back the word, "Lenore!" -
Merely this, and nothing more.

Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
"Surely," said I, "surely that is something at my window lattice:
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore -
Let my heart be still a moment and this mystery explore; -
'Tis the wind and nothing more."

Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door -
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door -
Perched, and sat, and nothing more.

Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore.
"Though thy crest be shorn and shaven, thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly grim and ancient raven wandering from the Nightly shore -
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning- little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blest with seeing bird above his chamber door -
Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
With such name as "Nevermore."

But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered- not a feather then he fluttered -
Till I scarcely more than muttered, "other friends have flown before -
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Then the bird said, "Nevermore."

Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless," said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore -
Till the dirges of his Hope that melancholy burden bore
Of 'Never - nevermore'."

But the Raven still beguiling all my fancy into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust and door;
Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore -
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt and ominous bird of yore
Meant in croaking "Nevermore."

This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamplight gloating o'er,
She shall press, ah, nevermore!

Then methought the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by Seraphim whose footfalls tinkled on the tufted floor.
"Wretch," I cried, "thy God hath lent thee - by these angels he hath sent thee
Respite - respite and nepenthe, from thy memories of Lenore:
Quaff, oh quaff this kind nepenthe and forget this lost Lenore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Prophet!" said I, "thing of evil! - prophet still, if bird or devil! -
Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted -
On this home by horror haunted- tell me truly, I implore -
Is there - is there balm in Gilead? - tell me - tell me, I implore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Prophet!" said I, "thing of evil - prophet still, if bird or devil!
By that Heaven that bends above us - by that God we both adore -
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore -
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore."
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Be that word our sign in parting, bird or fiend," I shrieked, upstarting -
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken!- quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

And the Raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming,
And the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted - nevermore!

Edgar Allan Poe
(USA 1809-1849)

The Broken Heart by William Barnes



News o' grief had overteaken
Dark-eyed Fanny, now vorseaken;
There she zot, wi' breast a-heaven,
While vrom zide to zide, wi' grieven,
Vell her head, wi' tears a-creepen
Down her cheaks, in bitter weepen.
There wer still the ribbon-bow
She tied avore her hour ov woe,
An' there wer still the hans that tied it
Hangen white,
Or wringen tight,
In ceare that drowned all ceare bezide it.

When a man, wi' heartless slighten,
Mid become a maiden's blighten,
He mid cearelessly vorseake her,
But must answer to her Meaker;
He mid slight, wi' selfish blindness,
All her deeds o' loven-kindness,
God wull waigh 'em wi' the slighten
That mid be her love's requiten;
He do look on each deceiver,
He do know
What weight o' woe
Do break the heart ov ev'ry griever.

William Barnes
(England 1801-1886)

Men by Maya Angelou


When I was young, I used to
Watch behind the curtains
As men walked up and down the street. Wino men, old men.
Young men sharp as mustard.
See them. Men are always
Going somewhere.
They knew I was there. Fifteen
Years old and starving for them.
Under my window, they would pause,
Their shoulders high like the
Breasts of a young girl,
Jacket tails slapping over
Those behinds,
Men.

One day they hold you in the
Palms of their hands, gentle, as if you
Were the last raw egg in the world. Then
They tighten up. Just a little. The
First squeeze is nice. A quick hug.
Soft into your defenselessness. A little
More. The hurt begins. Wrench out a
Smile that slides around the fear. When the
Air disappears,
Your mind pops, exploding fiercely, briefly,
Like the head of a kitchen match. Shattered.
It is your juice
That runs down their legs. Staining their shoes.
When the earth rights itself again,
And taste tries to return to the tongue,
Your body has slammed shut. Forever.
No keys exist.

Then the window draws full upon
Your mind. There, just beyond
The sway of curtains, men walk.
Knowing something.
Going someplace.
But this time, I will simply
Stand and watch.

Maybe.

Maya Angelou
(USA 1928)

Life Is Fine by Langston Hughes


I went down to the river,
I set down on the bank.
I tried to think but couldn't,
So I jumped in and sank.

I came up once and hollered!
I came up twice and cried!
If that water hadn't a-been so cold
I might've sunk and died.

But it was Cold in that water! It was cold!

I took the elevator
Sixteen floors above the ground.
I thought about my baby
And thought I would jump down.

I stood there and I hollered!
I stood there and I cried!
If it hadn't a-been so high
I might've jumped and died.

But it was High up there! It was high!

So since I'm still here livin',
I guess I will live on.
I could've died for love--
But for livin' I was born

Though you may hear me holler,
And you may see me cry--
I'll be dogged, sweet baby,
If you gonna see me die.

Life is fine! Fine as wine! Life is fine!

Langston Hughes
(USA 1902-1967)


If You Forget Me by Pablo Neruda


I waMent you to know
one thing.

You know how this is:
if I look
at the crystal moon, at the red branch
of the slow autumn at my window,
if I touch
near the fire
the impalpable ash
or the wrinkled body of the log,
everything carries me to you,
as if everything that exists,
aromas, light, metals,
were little boats
that sail
toward those isles of yours that wait for me.

Well, now,
if little by little you stop loving me
I shall stop loving you little by little.

If suddenly
you forget me
do not look for me,
for I shall already have forgotten you.

If you think it long and mad,
the wind of banners
that passes through my life,
and you decide
to leave me at the shore
of the heart where I have roots,
remember
that on that day,
at that hour,
I shall lift my arms
and my roots will set off
to seek another land.

But
if each day,
each hour,
you feel that you are destined for me
with implacable sweetness,
if each day a flower
climbs up to your lips to seek me,
ah my love, ah my own,
in me all that fire is repeated,
in me nothing is extinguished or forgotten,
my love feeds on your love, beloved,
and as long as you live it will be in your arms
without leaving mine

Pablo Neruda
(Chile 1904-1973)

Después del Amor : Domingo Alfonso


Después del Amor

Esta mujer y yo terminamos.
Ahora, dejando el desorden de las sábanas
hemos mirado por la ventana hacia la calle.

Un poco a la derecha
unos obreros componen una enorme valla
que dice: Todos con boinas rojas a la Plaza de la Revolución.

Ella se vuelve al interior del cuarto de hotel.
Yo miro sus nalgas color de tinta de imprenta.
Siento lo que los hombres normales ante tal espectáculo:
Doy gracias a quien corresponda por encontrarme vivo.

Domingo Alfonso
“Cuba n. 1935

Dois Sonetos : Rafael Duyos


I

Esse perfume teu, que assim me inunda
os poros, se te aperto, se te abraço,
deixa em meu sonho o venturoso traço
do rosal, que ao meu toque se fecunda.

Outra coisa não sou senão profunda
semente, pólen sobre o teu regaço,
puro estame de amor em que te enlaço
e enxerto em minha carne vagabunda.

Cheiras, amor, igual a esses jardins
mouriscos, de fragrâncias singulares,
cheiras, amor, como a alga dos meus mares

revolvida na areia entre jasmins...
E à nardo, a murta, a estio nos pomares,
e à alva espuma nos mares, dos delfins.


II

Que hei de fazer, amor, sem teu cuidado
quando novembro chegue às minhas veias?
Já não trarei as mãos, como hoje, cheias
de açucenas, do teu jardim velado.

Porém, desse jardim por mim guardado
entre estas folhas de sonetos cheias,
restará a saudade - e em suas peias
um perfume de amor, de amor calado.

E quando perguntarem: a isto, que era?
Por que uma tal lembrança murcha e rota
no teu velho caderno de poesias?

Eu lhes direi que foi a primavera!
O sumo dos tens lábios, gota a gota,
semeando as ilusões mais fugidias.

Rafael Duyos
(Espanha 1906)


É tão gentil e honesto o ar : Dante Alighieri


É tão gentil e tão honesto o ar
de minha Dama, quando alguém saúda,
que toda boca vai ficando muda
e os olhos não se afoitam de a fitar.

Ela assim vai sentindo-se louvar
na piedosa humildade em que se escuda,
qual fosse um anjo que dos céus se muda
para uma prova dos milagres dar.

Tão afável se mostra a quem a mira
que o olhar infunde ao coração dulçores
que só não sente quem jamais olhou-a.

E quando fala, dos seus lábios voa
Uma aura suave, trescalando amores,
que dentro d'alma vai dizer: "Suspira!"

Dante Alighieri
“Itália 1265-1321”

28 de novembro de 2012

Isto sonhei : António Machado


Que o caminhante, em si, traz o caminho,
e no jardim, junto do mar sereno
o acompanha um perfume a rosmaninho
e o odor seco do feno em campo ameno;

que da longa jornada caminheiro
punha no coração íntima trava,
para esperar o verso verdadeiro
que na alma, fundamente, sazonava.

Isto sonhei. E o tempo, esse homicida
que nos arrasta a morte e flui em vão,
era um sonho somente, em velha lida.

E alguém mostrava ao mundo, em sua mão,
uma brasa sem cinzas - e era a vida –
tal o fogo da grega concepção.

Antonio Machado
(Espanha  1875 - 1939)