Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Posso escrever, por exemplo: “ A noite está estrelada,
e os astros, azuis, tiritam na distância!
Gira o vento da noite pelo céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Tanto a amei, e às vezes ela também me amou.
Em noites como esta eu a tive entre os braços.
Beijei-a tantas vezes debaixo do céu infinito.
Ela me amou, e às vezes eu também a queria.
Ah, como não amar os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E cai o verso na alma como na relva o orvalho.
Que importa que meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Bem longe alguém canta. Lá longe.
Minha alma não se conforma com havê-la perdido.
Como para trazê-la meu olhar a procura.
Meu coração a busca, ela não está comigo.
A mesma noite faz branquear as mesmas árvores.
Mas nós, os de outrora, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é certo, porém quanto a amei.
Minha voz ia no vento para roçar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.
Já não a quero é certo. Mas talvez ainda a queira.
Como é tão breve o amor. Tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta eu a tive em meus braços,
Minha alma não se conforma em havê-la perdido.
Ainda que seja esta a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
In Pablo Neruda - (Veinte poemas de amor y una cancion desesperada)
(Chile 1904-1973)
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